Estruturas Musicais do Barroco

 

Duas Práticas Composicionais

            Apesar das contínuas mudanças, certas características musicais permaneceram constantes ao longo de todo o período barroco. Uma delas foi a distinção estabelecida entre diversos estilos de composição. Esta distinção não definia uma diversidade de linguagens individuais dentro de um estilo comum, nem mesmo uma diversidade de forma entre tipos de escrita musical mais simples e mais complexos, como a que existia no século XVI, por exemplo, entre frottola e o balletto, por um lado, e o madrigal, por outro. Tratava-se antes de uma diferença estilística reconhecida entre uma prática mais antiga e outra mais recente, ou entre duas amplas categorias funcionais. Em 1605, Monteverdi estabelecia a distinção entre uma prima prattica e uma seconda prattica, ou entre uma primeira e uma segunda práticas (ex. Cruda Amarilli, Monteverdi, Claudio. Ver no banco de partituras). Pela primeira entendia o estilo de polifonia vocal representado pelas obras de Willaert e codificado nos escritos  teóricos de Zarlino; pela segunda entendia o estilo dos modernos italianos, como Rore, Marenzio e ele próprio. A base da distinção residia, para Monteverdi, no facto de na primeira prática a música dominar o texto, enquanto na segunda prática o texto dominava a música; daqui decorria que no novo estilo as antigas regras podiam ser modificadas e, em particular, que as dissonâncias podiam ser mais livremente utilizadas para adequar a música à expressão dos sentimentos do texto. Outros designavam estas duas práticas por stile antico e stile moderno (estilos antigo e moderno), ou stylus gravis e  stylus luxurians (estilo severo e estilo ornamentado ou figurativo).

            Em meados do século surgiram sistemas mais amplos e mais complexos de classificação estilística. O que gozou de maior aceitação foi uma ampla divisão tripartida entre estilos ecclesiasticus (sacro), cubicularis (de câmara ou concerto) e theatralis ou scenicus (teatral ou cênico); dentro destas categorias, ou cortando-as transversalmente, havia muitas subdivisões. Os teóricos seguiam uma forte tendência da época ao tentarem, assim, descrever e sistematizar todos os estilos musicais, considerando cada um deles distinto dos restantes e detentor de uma função social particular e de características técnicas próprias.

    Exemplos de música de Primeira Prática (Adrian Willaert - Laudate Pueri) e Segunda Prática (Claudio Monteverdi - Cruda Amarilli) no menú multimídia.

(GROUT, DONALD J; PALISCA, CLAUDE V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 5ª edição, Novembro de 2007, p. 311)

Claudio Monteverdi

 

Dualismo Rítmico

            A diversidade de estilos e linguagens, a par do esforço  no sentido de representar com vivacidade e precisão objectos, idéias e sentimentos, introduziu na música factores que eram de certo modo incompatíveis. A tensão entre  o desejo de liberdade expressiva e o de ordem na composição, sempre latente em toda a obra de arte, foi cada vez mais posta em evidência e conscientemente explorada. Esta tensão manifesta-se na concepção das duas práticas de Monteverdi. Evidencia-se também nas duas formas de abordar o ritmo nesta época: (1) por um lado, o ritmo de métrica regular, com barra de compasso; (2) por outro, o ritmo livre, sem métrica, utilizado nas peças instrumentais solísticas, de caráter recitativo ou improvisatório.

            Os ritmos regulares de dança já eram, evidentemente, conhecidos no Renascimento, mas só no século XVII é que a maior parte da música começou a ser escrita e ouvida em compassos - estruturas definidas de tempos fortes e fracos. A princípio estas estruturas não eram regularmente recorrentes; o uso de uma única indicação de compasso correspondente a uma sucessão regular de estruturas harmônicas e de acentos, separadas por barras de compasso a intervalos regulares, só se tornou corrente a partir de 1650.

             A par do ritmo estritamente medido, os compositores também recorriam a um ritmo irregular, inconstante, flexível, ao escreverem tocatas instrumentais e recitativos vocais. Como é óbvio, os dois ritmos não podiam ser utilizados em simultâneo, mas eram com freqüência usados sucessivamente, por forma a criarem um contraste deliberado, como na habitual associação de tocata e fuga ou de recitativo e ária.

(GROUT, DONALD J; PALISCA, CLAUDE V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 5ª edição, Novembro de 2007, p. 312 - 313)

 

Baixo Contínuo

    ´´A tessitura típica da música do Renascimento era uma polifonia de vozes independentes; a tessitura típica do barroco foi um baixo firme e uma voz aguda ornamentada, sendo a coesão entre ambos assegurada por uma harmonia discreta. Uma textura musical que consistisse numa única melodia apoiada por partes de acompanhamento não era, em si, absolutamente nova; algo de muito semelhante fora utilizado no estilo de cantilena no séculu XIV, na chanson borgonhesa, a frottola primitiva, nas canções com acompanhamento de alaúde no século XVI e no air isabelino. O que era novo era a ênfase posta no baixo, o isolamento do baixo e do soprano como as duas linhas essenciais da textura e a aparente indiferença às partes enquanto linhas melódicas. Esta indiferença traduz-se no sistema de notação denominado basso continuo ou baixo contínuo:  o compositor escrevia a melodia e o baixo; o baixo era tocado num ou mais instrumentos de contínuo (cravo, órgão, alaúde), geralmente reforçado por um instrumento de apoio, como uma viola da gamba baixo, um violoncelo ou um fagote, e acima das notas do baixo o executante do instrumento de tecla ou o alaudista colocava os acordes convenientes, cujas notas não estavam escritas. Se estes acordes diferiam dos acordes perfeitos no estado fundamental, ou se havia que tocar notas não pertencentes à harmonia (como retardos) ou acidentes ocorrentes, o compositor podia indicá-los através de pequenas cifras ou sinais colocados acima ou abaixo das notas do baixo.

    A  realização – a execução efetiva – deste tipo de baixo cifrado variava segundo a natureza da composição e o gosto e perícia do interprete, que ficava com uma larga margem para a improvisação no âmbito do quadro estabelecido pelo compositor; podia tocar acordes simples, introduzir notas de passagem ou incorporar motivos melódicos em imitação do soprano ou do baixo. (As edições modernas de composições com baixo cifrado indicam habitualmente, em notas mais pequenas, a realização do editor; veja-se o fac-símile que se segue e a sua realização em NAWM 66, ver banco de partituras). A realização do baixo contínuo, embora todas as notas necessárias à harmonia completa já estivessem presentes na notação das partes melódicas vocais ou instrumentais. Nos motetes ou madrigais a quatro ou cinco vozes, por exemplo, o instrumento do contínuo não fazia, no fundo, mais do que dobrar ou apoiar as vozes.  Mas nos solos ou duetos o contínuo era, em geral, necessário para completar as harmonias, bem como para produzir uma sonoridade mais plena. Esta realização era, por vezes, designada por ripieno, um termo que no domínio da culinária significava Partitura.

(GROUT, DONALD J; PALISCA, CLAUDE V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 5ª edição, Novembro de 2007, p.313)

 

Contraponto Harmônico

    Poderia parecer que o basso continuo implicava uma rejeição total do tipo de contraponto que se escrevia no século XVI e nos séculos anteriores, o que era verdade até certo ponto, nomeadamente quando o contínuo era usado sozinho como acompanhamento de um solo, a menos que o compositor optasse por dar à própria linha do baixo alguma relevância melódica, pois o baixo contínuo constituiu, na realidade, um desvio radical em relação a todos os métodos anteriores de composição. Mas devemos recordar que um baixo firme e um soprano ornamentado não eram o único tipo de textura musical. Durante muito tempo os compositores continuaram a escrever motetes e madrigais sem acompanhamento (embora, por vezes, seguissem a prática corrente, acrescentando-lhes um baixo contínuo), certas peças para conjunto instrumental, bem como toda a musica solo para instrumentos de tecla e alaúde, não utilizavam o baixo contínuo, mais importante ainda, mesmo nos conjuntos em que se utilizava o contínuo, o contraponto continuava a constituir a base da composição. Mas diferente do do passado, tratava-se de uma conjugação de diferentes linhas melódicas, agora estas linhas tinham de encaixar todas no quadro de uma série de simultaneidades ou acordes decorrentes do continuo ou definidas pelas cifras (números) que o acompanhavam.  Eram os primórdios de um contraponto dominado pela harmonia, onde as linhas individuais se subordinavam a uma sucessão de acordes.

(GROUT, DONALD J; PALISCA, CLAUDE V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 5ª edição, Novembro de 2007, p.314)

Johann Sebastian Bach

 

Escrita Musical Específica

     Durante a música barroca, os compositores e intérpretes usaram ornamentação musical mais elaboradas e ao máximo, nunca usada tanto antes ou mais tarde noutros períodos, para elaborar suas ideias; fizeram mudanças indispensáveis na notação musical, e desenvolveram técnicas novas instrumentais, assim como novos instrumentos.  (In Wikipedia.org: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_barroca)

    A escrita musical fica idiomaticamente melhor para cada instrumento. Aparecem também mais obras voltadas ao virtuosismo tanto para instrumento como para voz. Aparecem cada vez mais obras para a interpretação virtuosa, tanto instrumental como vocal.
 

    Nesta época os compositores começaram a sentir-se atraídos pela ideia de escreverem música especificamente para um determinado meio, como o violino ou a voz solista, em vez de música que podia ser cantada ou tocada por quase qualquer combinação de vozes e instrumentos, como anteriormente acontecia. Enquanto na Itália a família do violino começa a substituir as antigas violas e os compositores aí desenvolviam um estilo especificamente violinístico, os franceses começavam a cultivar a viola, que se tornou, nos últimos decênios do século XVII, o instrumento de arco mais apreciado do país. De um modo geral, os instrumentos de sopro foram sendo tecnicamente aperfeiçoados e passaram a ser usados de acordo com os seus timbres e recursos particulares.   Continou a desenvolver-se um estilo específico de música de tecla; começaram a aparecer as indicações dinâmicas; a arte do canto, promovida por mestres e virtuosos de nomeada, avançou muito rapidamente. Começaram a diferenciar-se os estilos vocal e instrumental, acabando por tornar-se tão distintos no espírito dos compositores que estes podiam utilizar conscientemente recursos vocais na escrita instrumental, e vice-versa.

(GROUT, DONALD J; PALISCA, CLAUDE V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 5ª edição, Novembro de 2007, p.312)

 

 

 

Referências:

GROUT, DONALD J; PALISCA, CLAUDE V. História da Música Ocidental Lisboa: Gradiva, 5ª edição, Novembro de 2007

Wikipédia: https://pt.wikipedia.org